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terça-feira, 8 de março de 2011

Parceria com interrogações

Assis Moreira  de Paris
Valor Econômico 



Em novembro do ano passado, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou a presidente eleita Dilma Rousseff a Barack Obama, numa recepção de líderes do G-20 em Seul, o ocupante da Casa Branca comentou, bem-humorado: "Finalmente, alguém da delegação brasileira não tem barba".
Na mesma noite, em outro local da capital sul-coreana, o ambiente era de alta tensão num jantar de ministros de finanças. O secretário americano do Tesouro, Tim Geithner, ouvia de cara amarrada a avalanche de críticas do brasileiro Guido Mantega e de outros ministros contra a frouxa política monetária dos Estados Unidos, acusada de derrubar o valor do dólar e jogar o custo do ajuste da economia americana sobre os parceiros. "Não vamos nos esquecer dessas críticas", reagiu Geithner em tom imperial.

Desde que Dilma assumiu o poder, os EUA já enviaram Geithner a Brasília para discutir politica cambial, e agora vai o próprio Obama. Para influentes interlocutores dos EUA, a percepção americana é de que Dilma ainda não definiu o continuísmo ou uma nova linha na politica externa, e Washington quer aproveitar o momento em que "o pau ainda não está torto" para criar um novo clima de confiança na relação bilateral. No entender desses interlocutores, os EUA acham que o novo governo está mais disposto a buscar sintonia de posições na cena internacional. Se isso é verdade ou não, provavelmente nem o novo governo sabe ainda.

O primeiro teste pode ser justamente sobre o Irã, que causou o estremecimento diplomático no fim do governo Lula. Todos na comunidade internacional querem saber qual será o voto do Brasil sobre uma resolução apresentada pelos EUA no Conselho de Direitos Humanos, para criação de um relator especial para o Irã, instrumento forte de monitoramento do regime de Ahmadinejad.

Washington sabe que, para o Brasil votar a favor, tem que haver uma pré-negociação bilateral. E quem ouve representantes dos dois lados agora só escuta menções a "dinâmica positiva" e "vontade de dialogar", de forma que o Brasil estaria inclinado a votar favoravelmente pela proposta americana.

No G-20, que se torna o diretório econômico do planeta, o Brasil tinha sido visto em Seul por parceiros como muito condescente com os chineses e mais incisivo em relação aos americanos. Mas agora certas nuances começam a aparecer.

Na reunião de ministros de finanças, em Paris, o Brasil não apoiou os EUA, mas não se alinhou automaticamente à China, como tampouco ficou claramente contra a insistência de Pequim em recusar taxa de câmbio como indicador de desequilíbrio na economia.

Guido Mantega expressou divergência com os EUA, notando que o problema persiste "porque os países avançados não conseguiram se recuperar da crise. E a melhor medida é um estimulo eficaz dos Estados Unidos e da União Europeia, que ajudaria a reduzir o desequilíbrio mundial".

Mas ele cobrou também da China que deixe sua moeda se valorizar. "Não há um único responsável, mas um conjunto de responsáveis pela situação atual do desalinhamento das moedas", afirmou.

Os americanos não creem em aliança sólida, fechada, do Brasil com a China, e sim em uma aliança de conveniência de grandes emergentes com interesses específicos muito diferentes. E Washington quer ampliar a cooperação triangular com o Brasil e terceiros países - por exemplo, na África - onde a presença chinesa é crescente.

Na área comercial multilateral, o diálogo entre Brasil e EUA é permanente, ainda mais na nova tentativa de concluir a Rodada Doha. O Brasil não é um "deal maker" na negociação global, mas os americanos sabem que o país é um "deal breaker" - não é suficiente, mas é necessário, para fechar um acordo. Em todo caso, mesmo se o Brasil atender a todas as demandas americanas de abertura de mercado para seus produtos, Doha ainda continuará dependendo de um compromisso entre os EUA e a China.

Um novo impulso na relação entre Brasília e Washington será facilitado pelo conhecimento do ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, e pela postura positiva observada também do lado do assessor internacional de Dilma, Marco Aurélio Garcia.

Persiste, porém, a duvida sobre até que ponto os EUA estão realmente dispostos a admitir o Brasil colocando o pé no círculo central de poder na ordem mundial. Um dos "barbudos" do governo Lula, o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que teve vários choques com os EUA, costumava contar uma conversa com alta autoridade americana. Depois de argumentar que um verdadeiro parceiro devia dizer "não" em certas situações, ele ouviu do americano o seguinte: "Pode ser, mas o que gostamos mesmo é dos amigos que dizem "sim"
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