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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Sociedades maduras

Merval Pereira

O GLOBO

A revolução popular que derrubou a ditadura da Tunísia começou com um fato ocorrido no interior profundo do país, e que foi amplificado através de relatos no Facebook. Uma simples discussão, com agressões, entre uma feirante e uma policial acabou se transformando em um protesto dramático, com a feirante se imolando em praça pública em frente ao palácio do governo.

Sua imagem em chamas foi transmitida através do Facebook, e representou a revolta contra o tratamento humilhante dado pelas autoridades aos cidadãos. Como era um sentimento generalizado, o protesto espalhou-se pelo país.

Este ano o governo americano parece estar empenhado em defender a liberdade na internet como um instrumento político para espalhar a democracia em regiões como o mundo árabe.

O Egito, por exemplo, está tentando impedir que imagens das revoltas em diversas partes do país contra a ditadura de Hosni Mubarak sejam enviadas pelo Facebook ou pelos celulares, e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez um apelo para que fossem restabelecidos os serviços de internet (que classificou de ícone da liberdade), de telefonia celular e redes sociais.

A Secretária de Estado Hillary Clinton já havia anunciado no início do mês que os Estados Unidos apoiariam uma campanha internacional pela liberdade de acesso à informação, como resposta às dificuldades que países como o Irã e a China impõem ao uso do Google ou da Wikipedia; pelo direito dos cidadãos de produzirem suas próprias publicações, como, por exemplo, os ativistas de Burma; e pelo direito de trocar mensagens sem a interferência dos governos.

Recentemente o escritor brasileiro Paulo Coelho, um dos mais vendidos no mundo - "O Alquimista" está há três anos na lista de mais vendidos do "The New York Times" - teve uma experiência de como usar os novos meios tecnológicos para reagir a uma tentativa de censura do governo do Irã a seus livros.

A proibição de seus livros, depois de mais de dez anos entre os mais vendidos do país, acabou se transformando em um veto ao seu editor, que teve que deixar o país.

A maneira que Coelho encontrou de reagir à proibição foi liberar seus livros para serem baixados de graça pela internet.

Ele está tendo milhares de acessos por dia a seus livros e neste mês de janeiro já atingiu dois milhões de visitantes únicos em seu blog.

Paulo Coelho, que colabora com a comissão organizadora do Fórum Econômico aqui em Davos, esteve com o chanceler brasileiro Antonio Patriota para agradecer o empenho do governo brasileiro no caso.

Um dos mais seguidos do mundo no Twitter, segundo a revista Forbes, Coelho há muito tempo tem usado os novos meios tecnológicos para um contato mais frequente com seus leitores, e disponibiliza seus livros na internet de graça.

Nessa luta entre a cidadania e os governos autoritários na internet, há casos curiosos como o relatado pelo professor Shirky em um artigo do número de janeiro da Foreign Affairs.

Ele conta que o governo americano está empenhado em financiar pesquisas para desenvolver mecanismos que impeçam os governos de restringir a internet, ou que sejam capazes de reabrir o acesso à internet quando ele for bloqueado pela ação governamental.

Acontece que um dos mais eficientes mecanismos contra a censura da internet foi desenvolvido pela seita Falun Gong, justamente para evitar o controle do governo chinês.

E o governo dos Estados Unidos evita incentivar esse mecanismo por que não quer entrar em atrito com o governo chinês, que considera o Falun Gong um "culto pernicioso".

O poder da internet e das redes sociais, segundo Clay Shirky, professor de Novas Mídias da Universidade de Nova York, se baseia principalmente no seu apoio à sociedade civil e à esfera pública, processo que se se mede em anos ou décadas.

Por isso ele sugere que o governo americano, em vez de apoiar a liberdade na internet fora dos Estados Unidos como uma maneira de incentivar a democracia, promova campanhas a favor das liberdades civis como a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e o direito de livre associação. Com esses conceitos prevalecendo nos países, o trabalho de amplificação das redes sociais e da internet terá mais efeito, pois encontrará uma sociedade amadurecida e mais receptiva aos incentivos divulgados.

Shirky considera equivocada a idéia de que as redes sociais por si só levam à democracia, e lembra que muitos governos autoritários estão se aproveitando dos mesmos mecanismos para se fortalecer.

Na coluna de sexta-feira sobre o G-20, eu deveria ter sido mais específico na diferenciação dos dois grupos - o G-20 na Organização Mundial do Comércio (OMC), composto apenas por países em desenvolvimento, e o G-20 que reúne as maiores economias do mundo - e fiquei apenas no que há de semelhante, ou seja, a disposição de incluir países emergentes nas decisões internacionais.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Cidade americana polui 10 vezes mais que brasileira

Amigos a notícia fala acerca de preservação de meio-ambiente.
Este tema estará na agenda mundial nos próximos dez anos, sobretudo em função de ser um veio importante por intermédio do qual os países do original G8 procuram "frear" o ímpeto desenvolvimentista da China e Índia.
Gostaria, contudo, de chamar a atenção para alguns detalhes: Washington tem mais verde do que Rio e São Paulo e não possui complexos industriais. Também voei sobre as três cidades e em Washington não tem aquele cinza amarronzada comum nas tardes paulistas.
A indústria automobilística é a que tem maior capacidade de geração de emprego, renda e arrecadação e no Brasil, sua cadeia produtiva é a que mais emprega.
Não temos condições, nem tão cedo, de abrirmos mão da economia dos combustíveis fósseis.
Tenho plena convicção de que devemos cuidar do meio-ambiente, contudo temos que gerar emprego e renda para diminuirmos nossa desigualdade social.
O resto fica por conta dos amigos.




Cidade americana polui 10 vezes mais que brasileira
Andrea Vialli
O Estado de S. Paulo -

Estudo revela emissões de gases-estufa em 100 cidades de 33 países; poluição nem sempre está ligada a desenvolvimento

As metrópoles brasileiras emitem em torno de um décimo de gases de efeito estufa em comparação a grandes cidades americanas como Denver e Washington. Em relação às grandes cidades localizadas em países em desenvolvimento da África e da Ásia, como Cidade do Cabo e Bangcoc, as grandes cidades brasileiras também emitem menos poluentes que agravam o aquecimento global.

É o que aponta um estudo realizado pelo Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Iied, na sigla em inglês), com recursos do Banco Mundial. Com base nas emissões per capita da população, o relatório analisou 100 cidades em 33 países.

Do Brasil, foram incluídas no estudo São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia e Porto Alegre. Segundo o estudo, o Rio de Janeiro é a metrópole brasileira que mais emite gases-estufa (2,1 toneladas de poluentes por habitante/ano), seguida de Porto Alegre (1,48 t/habitante/ano) e São Paulo (1,40 t/habitante/ano). A cidade de Roterdã, na Holanda, é a que registra maior emissão per capita (29,8 t/habitante/ano), seguida de Denver (EUA) e Sidney.

Entre os países em desenvolvimento, a Cidade do Cabo, na África do Sul, é a cidade com maior emissão de gases-estufa: 11,6 t/habitante/ano, o que supera metrópoles de países desenvolvidos como Londres (9,6 t/habitante/ano) e Nova York (10,5 t).

"Muitas das grandes cidades têm sido responsabilizadas por contribuir com o aquecimento global. Mas muitas delas têm emissões per capita baixas, mesmo com elevado grau de urbanização e consumo de seus habitantes", afirma Daniel Hoornweg, autor do estudo e especialista em urbanismo do Banco Mundial. Um exemplo são cidades europeias como Paris (5,2 t/habitante/ano), que responde por menos da metade das emissões de um morador de Shangai, na China (11,7 t/habitante/ano).

Segundo o estudo, as emissões urbanas per capita refletem a estrutura econômica das metrópoles. Uma cidade com indústrias pesadas, uso massivo do transporte individual e energia gerada por carvão produzirá mais emissões que uma cidade de economia baseada em serviços, com boa infraestrutura de transporte público e com energia produzida em hidrelétricas.

Esses fatores explicam a baixa emissão das capitais brasileiras. Embora o uso do carro seja intenso em São Paulo e Porto Alegre, a matriz energética baseada em hidrelétricas minimiza o impacto sobre a atmosfera.

"É compreensível que o Rio de Janeiro seja a metrópole com maior emissão de poluentes, pois abriga atividades como refinaria de petróleo, o que não ocorre em São Paulo", avalia Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ e um dos cientistas do painel do clima das Nações Unidas. Segundo ele, o estudo pode servir como um elemento de análise para políticas de combate às mudanças climáticas.
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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Tiradentes e as boquinhas

A isto chamo de falha em nossa idiossincrasia. A sociedade é patrimonialista, cartorialista e foi habituada, ao longo de décadas, a ter o poder público como ente prevalente no bem-estar e formação de riqueza do cidadão. Não somos empreendedores, deu-se uma oportunidade, abocanha-se, com perene firmeza, as tetas do Erário.
Uma vergonha.



Tiradentes e as boquinhas
Hélio Schwartsman
FOLHA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO - Agora são duas tetranetas de Tiradentes que estão pleiteando uma pensãozinha, pelos serviços prestados por seu antepassado. Faz sentido. Se a filha do Hercílio Luz, que foi eleito governador de Santa Catarina no século 19, faz jus a R$ 15 mil, por que as descendentes do herói do século 18 não teriam direito a modestos R$ R$ 727?

Nesse ritmo, logo chegaremos ao Pero Vaz de Caminha. Chegaremos? Talvez seja mais exato dizer que foi dali que partimos. É sempre bom lembrar que o escrivão real termina sua Carta do Achamento do Brasil intercedendo diante de Sua Majestade por um genro.

Com tantos antecedentes, não é difícil explicar coisas como superpassaportes, superaposentadorias etc. Na verdade, é fácil e gostoso atacar políticos e seus apaniguados, mas será que nosso comportamento privado é muito melhor?

Tramitam no Congresso dezenas de projetos de "regulamentação profissional", ou seja, para tornar uma determinada atividade exclusiva para os que já a praticam e de preferência obrigatória para a população. Todo sindicato, no fundo, almeja tornar-se uma OAB.

Na indústria, a situação não é diferente. A troca das tomadas, por exemplo, foi um golpe de mestre. Numa única canetada os fabricantes de plugues e adaptadores criaram "ex nihilo" um novo mercado de quase 200 milhões de usuários.

No mesmo nível de genialidade só me lembro da regra que, alguns anos atrás, obrigou todos os motoristas a adquirir e a carregar um pedaço de gaze, um rolo de esparadrapo e um par de luvas de látex. Era para garantir atendimento médico em emergências viárias.

O Brasil se tornou uma espécie de país da boquinha. Indivíduos, categorias profissionais e empresas, em vez de firmar-se pela excelência de seu trabalho, serviços ou produtos, tentam sequestrar a autoridade do Estado para impor-se a todos e garantir "o seu".

É um jogo no qual os bem relacionados ganham e a maioria perde.

Um país sem defesa

Amigos esta reportagem está muito boa e esclarecedora. É bem verdade que nossa idiossincrasia e nosso "berço esplêndido" não nos permite agir como Inglaterra, França ou mesmo Austrália. A questão lá é que eles tiveram duas guerras mundiais e foram atacados, ao longo da história, por invernos rigorosíssimos. Ademais nos países desenvolvidos não há a leniência constitucional que temos aqui, ou seja, aqui os direitos fundamentais do indivíduo prevalecem sobre o bem público e comum, ou seja, se alguém for retirado à força e processar a União acaba vencendo e obtendo gordos ressarcimentos por prejuízos morais e supostos prejuízos financeiros, haja vista os argumentos de muitos "anistiados" que ganham bastante do Erário atualmente.

O tema é maiúsculo e requer acompanhamento da sociedade. A questão é problema é que temos um BBB 11, campeonatos estaduais e o carnaval se aproximando.



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Um país sem defesa
Com um sistema ineficiente de prevenção e alerta e Defesas Civis lentas ou inexistentes nos municípios, o Brasil fica à mercê dos eventos climáticos


Debaixo de chuva, trabalhadores da prefeitura usam máscara para evitar infecções ao trabalhar no enterro das vítimas do deslizamento em Nova Friburgo, Rio de Janeiro (Felipe Dana/AP)

Salvos raras exceções , os alertas emitidos, em geral, se perdem nos caminhos burocráticos, na falta de treinamento para intervenções pré-estabelecidas, e não chegam a tempo às áreas de risco

A Europa havia acabado de entrar no verão de 1940 quando a Força Aérea Alemã iniciou uma gigantesca campanha de bombardeios a alvos civis britânicos, durante a II Guerra Mundial. As autoridades inglesas padronizaram então um conjunto de procedimentos para diminuir o número de mortes. O plano, que ficou conhecido como Defesa Passiva, atuava basicamente em três frentes: prevenção, alarme e socorro. Nascia assim o conceito moderno de Defesa Civil, até hoje usado como modelo para prevenção de catástrofes por vários governos em todo o mundo.

Infelizmente, setenta anos depois, o Sistema Nacional de Defesa Civil (Sindec) brasileiro ainda não consegue cumprir com eficiência a primeira e a segunda etapas, ou seja, prevenção e alarme. Sem mapas detalhados das áreas de risco, sem esclarecimento e treinamento da população e sem sistema eficiente de alertas preventivos, a Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec) se limita a entrar em campo depois da tragédia. Chega apenas para socorrer as milhares de vítimas que escaparam com vida e enterrar as centenas de corpos dos que não tiveram a mesma sorte.

“É preciso uma vontade política muito forte para resolver o problema, uma visão de estadista”, afirma o cientista político Rubens Figueiredo, dando a pista de que falta vontade política para remover eleitores de suas casas precariamente instaladas em áreas de risco. “Quando a lógica da razão briga com a lógica da política, dificilmente a razão vence.”

Leo Caldas/Titular

Destruição pelas chuvas em União dos Palmares, Alagoas.

Velhos vícios – As razões para a ineficiência do modelo são muitas, mas estão principalmente ligadas a dois dos piores vícios da máquina pública no Brasil: o apadrinhamento partidário no preenchimento de cargos e a destinação política de verbas. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União nas despesas do Ministério da Integração Nacional mostra que, entre 2004 e 2009, os recursos destinados à prevenção de desastres naturais somavam 934 milhões de reais. Apenas 356 milhões de reais foram efetivamente utilizados, e desse total, 37% foram para a Bahia.

Coincidentemente, entre 2007 e início de 2010, o inquilino da pasta era o baiano Geddel Vieira Lima (PMDB). Apesar do aporte de recursos, os conterrâneos do ministro sofreram com as chuvas em 2010. No mês de abril, 45 cidades foram fortemente castigadas, duas crianças morreram e centenas deixaram suas casas em áreas de risco. Sorte pior, porém, tiveram os pernambucanos e alagoanos que não estavam entre as prioridades na distribuição de verbas de Geddel. A tromba d’água do final de junho daquele ano matou 57 pessoas nos dois estados.

Os sinais da inoperância estão por toda a parte. No mapeamento de áreas de risco, por exemplo, a Sedec levou quatro anos, entre 2004 e 2008, para mapear as áreas de risco em apenas 44 cidades – menos de 1% dos 5.560 municípios brasileiros. Destes, somente sete receberam efetivamente algum tipo de recurso para obras de prevenção a desastres. O Conselho Nacional de Defesa Civil (Condec), outra entidade do Sistema Nacional de Defesa Civil criado em 1988 para elaborar diretrizes, está há seis anos sem aprovar nenhuma resolução.

Estrutura e orçamento - Para não fazer o seu trabalho, a Sedec conta com 110 funcionários que ocupam um terço de um andar no prédio do Ministério da Integração Nacional. Tem um orçamento previsto de 133 milhões de reais para sua operação em 2011 e está estruturada em três departamentos:

Minimização de Desastres – seria o responsável pelos mapeamentos de áreas de risco, obras de prevenção e treinamento e esclarecimento da população para evacuação das áreas antes dos acidentes.

Articulação e Gestão – o grupo do alarme, responsável por articular a atuação conjunta das defesas civis estaduais e municipais nos planos de retirada da população antes das tragédias.

Reabilitação e Reconstrução – o único cujo trabalho aparece, todos os anos, para limpar a bagunça depois que os morros desabam e os rios transbordam.

Além dos departamentos, a Sedec ainda conta com o Serviço de Protocolo e Apoio Administrativo e com os dados do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad). Este último, equipado com um sistema informatizado de geoprocessamento de dados obtidos por satélites, é o responsável por monitorar e alertar sobre a ocorrência de eventos climáticos excepcionais como as chuvas que castigaram o Rio há 10 dias. O alerta até sai. O problema, é servir para alguma coisa.

“Os institutos de meteorologia, juntamente com todos os que conseguem calcular o nível de rios, oceanos e outras medidas que possam resultar em catástrofes, precisam estar aptos a passar o alerta de emergência”, explica João Willy Rosa, professor de Geociências da Universidade de Brasília (UnB). “Na outra ponta, os responsáveis pela Defesa Civil precisam estar aptos a receber esse alerta para agir corretamente em cada caso, em todos os estados e municípios.”

Salvos raras exceções , os alertas emitidos, em geral, se perdem nos caminhos burocráticos, na falta de treinamento para intervenções pré-estabelecidas, e não chegam a tempo às áreas de risco. Estão aí para provar os 765 mortos e mais de 13.000 desabrigados nas cidades serranas do Rio. Para entender melhor os passos dessa tragédia anunciada, é bom voltar ao dia 9 de janeiro.

Nessa data, três dias antes da catástrofe, as chuvas anormais na região Sudeste do Brasil começaram a ser detectadas pelos satélites da Nasa (Agência Espacial Americana) e do Instituto Nacional de Metereologia (Inmet). Em 11 de janeiro, por volta das 16h30, o Inmet disparou o aviso metereológico especial que apontava "acúmulo significativo de chuva em TODO o estado do Rio de Janeiro". As prefeituras da Região Serrana do Rio confirmam o recebimento do alerta. Que destino deram à informação? Nenhum.

A prefeitura de Teresópolis admite que já sabia das chuvas dois dias antes da tragédia, mas alega que, mesmo assim, não teve tempo para avisar os moradores das 93 áreas de risco do município. As autoridades de Nova Friburgo, por sua vez, dizem que repassaram o alerta à população via rádio e internet, deixando às potenciais vítimas a decisão de abandonar o lar. Nenhuma remoção foi planejada para as áreas de risco (leia aqui histórias de três vítimas que retratam a completa ineficiência do sistema no município).

“A Defesa Civil ainda carece da criação de uma linha de comando integrada para que esses alertas seja transmitidos com eficiência”, diz João Willy Rosa. Para a professora Ana Ávila, do Centro de Pesquisas Metereológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Unicamp (Cepagre), falta estrutura “em todos os aspectos para a emissão de alerta no Brasil”.

Pedido de socorro – Depois do desastre na Serra Fluminense, o Cenad vai ganhar mais um supercomputador, avaliado em 50 milhões de reais, e uma rede de radares meteorológicos mais avançada. Sozinhos, porém, esses investimentos não garantem uma prevenção melhor, pois não resolvem o problema da cadeia de emissão do alarme.

Manoel Marques

Estragos causados pelas chuvas no Nordeste

Em alguns estados, como São Paulo e Santa Catarina, por exemplo, um sistema próprio de alarme costuma alcançar alguma eficiência. Nessas estruturas, informações coletadas por diferentes equipamentos são recebidas por um centro de emergência estadual e analisadas por técnicos. Quando eles concluem que há risco, começam a disparar telefonemas e SMS para colegas em órgãos operacionais previamente estabelecidos nos municípios, entre eles a Defesa Civil.

Essas equipes, treinadas para receber o alerta e saber como agir, deslocam-se para as áreas de risco e implementam medidas de segurança previamente estabelecidas. Assim, na maioria dos casos, conseguem se antecipar a inundações e deslizamentos de encostas. Nem sempre com total eficiência, mas com mais agilidade do que as autoridades fluminenses.

No Sistema Nacional de Defesa Civil, infelizmente, o único alerta que circula atualmente ainda é aquele que parte de baixo para cima, ou seja, da Defesa Civil do município para a Sedec, para avisar sobre um desastre. Em lugar do alarme preventivo que deveria fazer o percurso inverso, existe apenas o pedido de socorro depois que a desgraça já se instalou. A partir dele, a Sedec organiza e mobiliza os órgãos ligados à Defesa Civil na região para socorrer as vítimas. Isso quando existe Defesa Civil na região.

Um dos maiores entraves de todo o sistema, como admite o próprio governo, é a falta de estrutura nas cidades. O secretário nacional de Defesa Civil, Humberto Viana, afirmou nesta semana que apenas 426 dos 5.565 municípios brasileiros têm Defesa Civil.

A gestão de recursos repassados pelo governo federal a estados e municípios é outro problema. Dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM) dão conta de que, em média, somente 10% das cidades brasileiras tiveram gastos com ações de Defesa Civil nos últimos cinco anos. Isso num país que tem, segundo os mapeamentos deficientes do governo, pelo menos 5 milhões de pessoas morando em 800 áreas de risco – 500 para deslizamento e outras 300 para inundações.

Mudança de paradigma – Para que não se repitam todos os anos, após as chuvas de verão, as imagens de cidades destruídas com centenas de caixões enfileirados, o Sistema de Defesa Civil do Brasil precisa se libertar do vício das medidas paliativas e emergenciais. Como bem observou Debarati Guha-Sapir, consultora da Organização das Nações Unidas (ONU) no Centro de Pesquisas sobre a Epidemiologia de Desastres (Cred), sediado em Bruxelas, na Bélgica, é um absurdo que o Brasil, com "apenas um perigo natural para administrar", não consiga fazê-lo. "Este foi o 37º deslizamento de terra no Brasil em menos de dez anos", disse Debarati ao jornal francês Le Monde. "Imagine se o país também enfrentasse terremotos, vulcões ou furacões. O Brasil não é Bangladesh, não tem desculpas.”

Se não bastasse o modelo de sucesso britânico durante a Segunda Guerra Mundial, estão aí para ensinar o caminho os exemplos de eficiência de países como Austrália, Tailândia e Indonésia, que lidam com enchentes e tsunamis muito mais devastadores que as enchentes brasileiras.

Voltando à época da concepção da Defesa Passiva, se a Inglaterra tivesse estruturado o seu programa nos moldes da Defesa Civil Brasileira, suas principais cidades jamais teriam sido equipadas com um milhão de abrigos antiáreos logo nos primeiros meses da Segunda Guerra Mundial. A população não teria aprendido a se refugiar ao toque dos alarmes, porque não existiria a rede de radares e de observadores voluntários ao longo da costa para disparar as sirenes assim que os bombardeiros alemães cruzassem os céus sobre o Canal da Mancha. Consequentemente, as bombas alemãs teriam matado um número infinitamente maior que os 23.002 civis mortos durante os cinco meses de bombardeios.

É mais fácil abrir empresa lá fora

Contemplo três vertentes que o governo precisa melhorar:
- infra-estrutura;
- educação de nível fundamental e técnico; e
- diplomacia e relações internacionais com menos ideologia e voltada para seu objetivo principal: viabilizar fronteiras de oportunidades para desenvolvimento da sociedade brasileira e não para viabilizar liderança mundial de ex-presidentes.

Ah, claro, uma sociedade mais madura, mais atenta e exercendo uma governança social de qualidade.

Vale a pena ler toda a reportagem, pois o cidadão brasileiro está perdendo enormes oportunidades de desenvolvimento.

É mais fácil abrir empresa lá fora
Daniella Cornachione e Marcos Coronato
Época



Castigados pela crise, os países ricos facilitam a obtenção de visto e dão apoio a microempresários brasileiros com dinheiro e boas ideias
Vamos colocar um tapete vermelho para você”, disse o primeiro-ministro britânico, David Cameron, num discurso em novembro, dirigindo-se a cada microempresário estrangeiro disposto a abrir negócio no Reino Unido. Ele anunciava um novo tipo de visto que facilitará a imigração de quem tenha uma boa ideia e menos que as 200 mil libras (R$ 535 mil) atualmente exigidas para investidores estrangeiros. Outros países ricos seguem a mesma estratégia e facilitam a entrada de empreendedores. “A Europa está envelhecendo e precisa de sangue novo”, diz o francês Yann Duzert, coordenador do MBA Global Premium da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro. “A crise deixou os europeus mais cautelosos, com menos vontade de investir. E os brasileiros estão otimistas.”

Ainda não se conhece o resultado dessa estratégia, pois ela é recente. Mas apenas esse esforço já é algo notável. Além do Reino Unido, França e Alemanha dão bons exemplos. Os três países têm agências de investimento com representações mundo afora. Antes, elas se dedicavam principalmente a atrair grandes investidores. Agora, ajudam também microempresários. A Agência Francesa para Investimentos Internacionais (AFII) tem escritórios em 23 países. O brasileiro foi aberto em junho de 2010. “O país está crescendo e mais propenso a se internacionalizar. É normal que os países desenvolvidos estejam atentos a isso”, diz François Removille, diretor-geral da AFII no Brasil. O Reino Unido também está presente por aqui com sua agência, a UKTI. “As pequenas companhias levam tecnologia e inovação para o país anfitrião. Conforme crescem, geram empregos, pagam impostos e espalham conhecimento”, afirma Digby Jones, um lorde que foi presidente da confederação das indústrias britânicas e hoje viaja o mundo promovendo o Reino Unido. A agência alemã GTaI, criada em 2009, é responsável por orientar estrangeiros que querem investir no país.

Imigrar para a Europa como empreendedor ficou mais fácil nos últimos anos. Na França, depois de uma reforma de lei em 2009, o estrangeiro que cria uma empresa passa a concorrer com mais facilidade ao visto de três anos numa categoria chamada “competências e talentos”. O imigrante que já mora lá recebe isenção de impostos e apoio para montar o negócio. Quem cria uma empresa pode trazer empregados de seu país de origem e, desde dezembro, estender a eles benefícios fiscais e facilidades nas tratativas de visto. Na Alemanha, o empreendedor precisa esperar apenas três anos para pedir o visto permanente, enquanto outras categorias de imigrantes devem esperar ao menos cinco. O Reino Unido vem levantando barreiras contra outros tipos de imigrantes, mas não contra microempresários. Estuda até reduzir o investimento mínimo exigido deles.

Diante da movimentação do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos e o Canadá reagiram. A Europa está longe de ser reconhecida como o melhor continente para gente com espírito empreendedor – fama que os americanos construíram ao longo de séculos. Mas dados recentes mostram que os Estados Unidos estão perdendo a dianteira como maternidade de novos negócios no mundo. Em 2005, 12% dos americanos haviam fundado companhias, em comparação com 9% do resto do mundo. Em 2009, a fatia de americanos empreendedores caiu para 8%, enquanto a do resto do mundo subiu para 11%, na pesquisa Monitor Global de Empreendedorismo. Estados Unidos e Canadá já dão sinais de qual será sua resposta. Ambos estudam criar uma nova categoria de visto para estrangeiros, o Startup. Ele diminuiria as exigências burocráticas e reduziria o investimento mínimo inicial requerido para 150 mil dólares canadenses no Canadá e US$ 250 mil nos Estados Unidos (atualmente, os valores estão em 300 mil dólares canadenses e US$ 500 mil, respectivamente).

Para os países envolvidos nessa corrida, a vantagem é evidente. Alemanha e Canadá exibem sinais econômicos um pouco mais promissores, mas Estados Unidos, Reino Unido, França e vários outros países europeus ainda sofrem para tentar superar a crise global. Eles derrapam na falta de empregos e de investimento. Contra esses males, o remédio mais eficaz é incentivar a semeadura de novos negócios, pequenos, inovadores e necessitados de mão de obra.

Para os empreendedores, além de ter mais oportunidades de prosperar, abrir um escritório num desses países é mais fácil do que no Brasil, que maltrata os negócios com excesso de burocracia e impostos. “É tranquilo fazer negócio em Londres. Em termos operacionais, é muito mais fácil abrir uma empresa na Inglaterra do que no Brasil”, afirma Alexandre Bruscato, dono de uma empresa fabricante de artefatos de acrílico. Ele e a mulher e sócia, Patrícia, não pensam em sair de Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul, por enquanto. Mas abriram em Londres uma filial de sua marca de decoração, a Allê. Ficaram impressionados com o atendimento especial que receberam. Essa diferença de tratamento é bem retratada em diversas pesquisas. O Reino Unido ficou na 17ª posição do ranking mais recente do Banco Mundial sobre facilidade para abrir uma empresa em 183 países. O Brasil ficou em 128º, muito atrás do Chile (62º) e do México (67º). Para criar um negócio aqui é preciso lidar com 15 procedimentos, que duram por volta de 120 dias. No Reino Unido, são seis procedimentos em seis dias. A França (21º) exige cinco, que duram uma semana. Os países que lideram esse ranking são Nova Zelândia, Austrália e Canadá.

As agências de investimento ajudam os estrangeiros de várias formas, começando com a burocracia para abrir uma empresa e pagar impostos. “Alguns lugares no Reino Unido oferecem gratuitamente serviços legais ou consultoria para encontrar clientes”, diz o lorde Jones. O casal de empresários brasileiros Alexandre e Patrícia recebeu apoio do consulado britânico no Brasil e da agência Think London, responsável por atrair negócios para a capital inglesa. “Eles nos indicaram contadores, advogados, deram o caminho. O apoio foi muito importante”, afirma Patrícia. Hoje, o casal tem em Londres um escritório virtual, com endereço e número de contato, mas sem funcionários trabalhando no local. A equipe, terceirizada, é composta de sete pessoas. São representantes comerciais, assessores de comunicação e funcionários que transportam os produtos enviados do Brasil. “Estamos pensando em ter um showroom próprio neste ano, com alguém trabalhando lá”, diz. Se o Brasil não gosta de seus empreendedores, deve tomar cuidado. Há quem goste.

Fatalidade ou desleixo?


Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho - UFRJ
Ciência Hoje


Muitos tentam encontrar explicações para a devastação provocada pelas chuvas na região serrana do Rio de Janeiro. Jean Remy Guimarães discute as causas naturais, antrópicas e socioeconômicas desta que já é considerada a pior tragédia ambiental do Brasil.

Com certa frequência, cidades como Petrópolis, Teresópolis e Angra dos Reis, todas no estado do Rio de Janeiro, são objeto de notícias tristes no verão: deslizamentos, alagamentos, mortes e prejuízos devido a temporais e chuvas torrenciais.

No entanto, a recente tragédia que se abateu sobre a região serrana do Rio de Janeiro é inédita em muitos aspectos: pela violência da chuva, pela extensão da área atingida (que englobou Petrópolis, Teresópolis, Friburgo e arredores) e pela severidade das perdas humanas e materiais.

As imagens remetem mais a uma convulsão do que a uma tempestade: os rios mudaram de curso, há agora morros onde havia áreas planas. Enormes blocos de pedra jazem por todo lado. O evento já é chamado de pior tragédia ambiental do Brasil.

Entre as agudas, em que há perdas massivas e abruptas, é sem dúvida a pior. Desta vez, culpou-se – com mais intensidade – o desmatamento, a ocupação irregular de encostas, a leniência do poder público e – novidade – falou-se em mudanças climáticas globais.

Até lembrou-se que os climatologistas vêm alertando há tempos sobre o aumento de eventos extremos, como secas, enchentes, tempestades severas, furacões e outros rigores naturais – mas não muito, já que sua frequência e severidade aumentam conforme a elevação da temperatura, ao sabor das diversas atividades humanas que contribuem para isso.

Causas naturais e antrópicas.

Então, a tragédia da serra fluminense é natural ou provocada pelo homem? Aqui temos que separar a discussão em dois pontos: há a chuva em si e há as suas consequências.

No primeiro item, a discussão é bizantina: nunca saberemos se a megachuva era natural ou se havia dedo nosso, pela simples razão de que já não há mais nada natural em lugar nenhum do planeta; nosso dedo está em todo canto, visível ou não, onipresente, mas longe de onisciente.

Uma chuva dessas poderia ter ocorrido num planeta igualzinho, mas sem humanos? Certamente. E com humanos? Mais provável. Se isso fosse tema de um hipotético julgamento, essa declaração do perito provocaria muxoxos no júri.

E quanto às consequências da chuva? Nesse caso, além do sofrimento pela perda de tantas vidas, temos o sofrimento moral de saber que elas eram perfeitamente evitáveis.

Como todos os anos, a mídia procurará geólogos e outros especialistas que explicarão com maquetes e animações por que as encostas do Sudeste brasileiro são áreas de risco em caso de chuva forte. Outros estimarão o número de pessoas vivendo nessas áreas – são 115 mil apenas na cidade de São Paulo –, lembrarão os relatórios e diagnósticos já elaborados e enviados aos setores competentes e mostrarão eloquentes fotos aéreas datadas documentando o expressivo crescimento urbano em áreas de risco.

Risco natural.

E por que o risco é tão alto nessas encostas? Basta olhar para os deslizamentos para entender.
As encostas mais frágeis são finas camadas de solo sobre pedra lisa. Esse solo é fruto da lenta decomposição da própria rocha. Onde a rocha é muito íngreme, o solo não se acumula e temos os pães-de-açúcar, os morros Dois Irmãos, as pedras da Gávea e muitos outros acidentes geográficos semelhantes e de rara beleza Brasil afora. Todos têm vegetação em seus topos, mas em suas encostas de pedra nua só bromélias, cactáceas e poucos outros organismos sobrevivem.

A fragilidade geológica de nossas encostas fica evidente quando, sempre no verão, vemos deslizamentos importantes na serra do Mar em áreas onde a mão do homem nunca pôs o pé.

É simples: a rocha é lisa e impermeável, o solo, permeável e pesado. Ao atingir a rocha, a água escorre, formando um filme que diminui mais ainda o já reduzido coeficiente de atrito entre solo e rocha. A surpresa não é a encosta deslizar, e sim o deslizamento não ser mais frequente. Muitas encostas estão por um fio sem que desconfiemos, sustentadas pela trama de raízes, galhos e cipós que insiste em crescer ali.

Portanto, temos especialistas, dados conclusivos, relatórios consolidados, sugestões e orçamentos. As sugestões são óbvias, entre elas, não ocupar essas áreas e remover para áreas seguras quem já estiver pendurado por lá.

Mas esbarramos sempre no mesmo obstáculo: ninguém parece capaz de impedir a ocupação irregular e ninguém tem coragem de remover os ocupantes já estabelecidos. E as chuvas param, os mortos são enterrados, até recomeçarmos tudo outra vez no ano que vem.

Raízes socioeconômicas.

E agora chegamos às causas profundas e incômodas da tragédia, todas relativas a fatores socioeconômicos bem humanos.
Para começar, somos numerosos demais. A demanda por emprego e moradia cresce mais rápido do que a oferta. O campo segue exportando gente para a cidade.

Os ocupantes de áreas de risco são eleitores e, geralmente, de baixa renda. As forças que promovem a ocupação são privadas e ágeis; as que deveriam regulá-la são públicas, não têm metas de desempenho, nem há consequências se eventuais metas não forem atingidas, já que seus agentes são estáveis, se não de direito, de fato. Suas agências e instituições não se comunicam, seus chefes estão lá mais por fidelidade partidária que por competência técnica. Na última eleição, herdaram de seus antecessores uma terra arrasada e legarão o mesmo a seus sucessores.

Quando as encostas vierem abaixo, sobrarão emocionantes histórias de heroísmo e solidariedade e esqueceremos o patrimonialismo, a fragmentação, a leniência, o nepotismo, a corrupção e a impunidade.
Para concluir como o noticiário, com algo mais animador, trago o exemplo eloquente do prefeito de Areal, na região serrana fluminense recentemente atingida. Avisado da cabeça d’água pelo prefeito da cidade rio acima, gravou às pressas um aviso transmitido por antiquado, mas eficiente, carro de som, pedindo a todos que se afastassem da margem do rio. Deu certo. Ali ninguém morreu.

Todos vimos a chuva. Temos telefone, celular, twitter, internet, megafones, sinos, fogos. Tecnologia há. Falta bom senso e gestão.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Ao questionar escolas, pais temem constrangimento

Este problema vivenciei e atribuo a um dos vetores da baixa qualidade da formação do cidadão e do trabalhador brasileiro. Parece haver um castelo de verdades intransponíveis. Enquanto houver uma garantia de que a conduta mais ideologizada do ensino prevalece livre de pressões externas nosso trabalhador não será competitivo e nosso cidadão não estará bem preparado para desenvolver nossa sociedade.



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ROSELI FISCHMANN
FOLHA DE SÃO PAULO

A escolha da escola significa, para os pais, formalizar valores e expectativas, ponderando possibilidades e limites, muitas vezes gerando tensão. Mas se a escola é importante, nada há que substitua, na formação, o papel da família, da dedicação do aluno, dos grupos frequentados.

Mas a estrutura competitiva vigente se imiscui pelo fazer educativo dos pais. Já não basta estudar na "melhor escola", que lhes consumirá muito do salário. É preciso "acompanhar" os demais em vestimentas, lugares que frequentam, viagens. Demonstrar, enfim, que estão "à altura" daquela escola desejada.

Inverte-se, assim, a relação, porque são as famílias que precisam ter certeza quanto à escola estar à altura de seus valores, o que inclui respeito por suas limitações e escuta de suas expectativas.

O caso do material escolar é emblemático. Culturalmente, pode ser utilizado como sinalizador de posses.
Em estrutura competitiva, tenta-se uniformizar por um lado, mas a busca de diferenciais de prestígio escapa por outro. Propor uma taxa, uniformizando material, pode simplificar a vida das famílias, resolvendo uma situação potencialmente tensa.

A falta de transparência, contudo, é problemática. Ao questionar a escola, talvez os pais temam ver seus filhos discriminados por sua família cobrar "migalhas". Ou sintam-se mal, depois de terem lutando para conseguir matricular seu filho ali.

Deixar claro o que os pais estão pagando é atitude que dignifica a escola, criando também melhor ambiente educativo para as crianças, que não precisarão presenciar a aflição parental em casa, depois abafada no contato com a escola, pelos receios que os assombram.

Prestar contas do que se faz (e exigi-lo) é atitude que auxilia o processo formativo, em particular em um país como o Brasil, onde a transparência precisa ser incorporada à cultura, pelo bem da educação e da democracia.

*Roseli Fischmann é docente da Pós-Graduação em Educação da USP e da Universidade Metodista de São Paulo.

Relato da Cruz Vermelha na região serrana. Repassando um post.

Amigos, segue uma reportagem de um blog que não conheço.

Claro está que podem existir exageros ou factóides, contudo, o risco de epidemia é altíssimo nos próximos meses. Nós temos um enorme problema cultural neste caso: Não debatemos, não disseminamos e não tornamos peças jurídicas as experiências em calamidades. O BBB 11, os campeonatos estaduais começando e o carnaval que se aproxima ajudarão, sobremaneira, a fazer com que a mídia tire esta calamidade de foco.

Também não duvido da quantidade de corpos ainda não achados devido à configuração geográfica da região e dificuldade de escoamento das águas das partes de baixo da corrente. O que fica por cima escoa livre e o pesado, dentre eles corpos e outros objetos, vão ao fundo, sedimentam e são soterrados.

Catei na internet artigos científicos acerca dessas calamidades e encontrei pouca coisa. Eventos iguais ao Katrina, ao Tsunami e Haiti existem em milhares nos EUA e Comunidade Européia. Como comemora-se termos um grande número de trabalhos científicos publicados, há quem lembre que são em áreas de baixo retorno ao mercado e à sociedade, dentre eles filosofia, pedagogia, psicologia, RH, etc etc etc. Já postei neste blog, inclusive, uma crítica a este respeito e o ex-ministro Goldemberg falou a mesma coisa no Roda Viva uma vez.

Enfim, a essência do que está colocado abaixo é que é importante e não os juízos de valor.
Estou repassando aos amigos pois já tive contato com este tipo de calamidade ao longo da carreira e, como já disse, já estudei o Katrina e o Haiti (estive neste país em visita, inclusive) durante o meu mestrado em Seg e Defesa, que contempla esta matéria (a propósito, um dos motivos de não tentar doutorado nesta área é porque ela não existe no Brasil - as calamidades atuais talvez façam alguma autoridade refletir acerca dessa pertinência).

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Anthonio, Thais e turma do MM:






Houve hoje uma reunião a portas fechadas já no final desta noite com um membro muito importante da Cruz Vermelha Brasileira (CVB) cujo nome não vou revelar. Ele já trabalha há mais de trinta e três anos em todos os tipos de catástrofes em todas as partes do mundo incluindo a guerra da Bósnia, o terremoto do Haiti, etc. É ele que coordena as atividades da CVB brasileira nestes locais e também da CVB internacional. Para vocês terem uma idéia, ele havia voltado de uma extenuante viagem de 22 horas desde a Rodésia só para estar ali conosco e avaliar a situação na região serrana. Ele disse que nós não tínhamos noção da catástrofe que havia ocorrido:

"Vocês nunca tiveram oportunidade de testemunhar catástrofes mundiais e por isso é natural que sejam incapazes de avaliar a extensão dos danos aqui ocorridos. Devido a décadas de experiência de campo e de levantamento de áreas de desastre, posso seguramente, afirmar que somente aqui no município de Teresópolis o número de mortos soterrados de longe ultrapassa a casa dos 6.000. Na região serrana ao todo o número de mortos deve facilmente chegar a mais de 12.000 pessoas.

No Brasil, vocês nunca lidaram com catástrofes naturais de grandes dimensões, daí a falta de preparo e de noção do que realmente se passa.Pelo quadro vigente no Haiti, vocês podem contabilizar as milhares de pessoas que já morreram de febre tifóide. Não importa se sejam os brancos loiros de olhos azuis da Bósnia-Herzegovina ou os negros suados do Haiti ou os habitantes de Teresópolis. Todos os corpos que necropsio fedem e estão imundos. Morto não tem raça, ou status social. Todos os corposapodrecem e se decompõem. São mais de 6.000 corpos nos leitos dos rios, nos mananciais e nas suas margens, enterrados a vários metros de profundidade.

Haverá inúmeras epidemias daqui há algumas semanas surgindo primeiramente de forma discreta e depois se alastrando pelas cidades supridas por essas águas. A falta de experiência do Brasil e dos brasileiros em termos de dimensões de catástrofes levam a estas estimativas ingênuas do que realmente aconteceu. Em qualquer outro país civilizado, o procedimento correto seria o de declarar lei marcial e exigir intervenção federal nesta situação. A própria viabilidade e existência destas cidades será posta à prova nos meses que virão na medida em que a população começar a adoecer.

Quanto ao prefeito da cidade, ele é um bandido, um crápula, que precisa ser acionado judicialmente, preso e condenado por crime contra a humanidade.Há dezenas de equipes especiais de resgate aqui conosco como as de Santa Catarina, Santos e São Paulo e a prefeitura se recusa a usar os seus profissionais para as missões de resgate.

A CVB é um órgão de assistência emergencial e vocês já passaram da fase de emergência e estão exercendo um papel assistencial. Isto não é de competência da CVB. O prefeito de Teresópolis desacatou a CVB e por conta disso, ao desacatar a autoridade da CVB cometeu um ato infracional. O seu prefeito deve ser preso por crime contra a humanidade. Muitas pessoas ainda irão morrer nos próximos meses devido as doenças que irão se disseminar.

Entendam que a CVB está sendo utilizada como manobra política e a isso não nos subteremos. Estou declarando que a partir de hoje se dão por encerradas as atividades da Cruz Vermelha em Teresópolis. Todos os mantimentos, água e remédios deverão ser doados à população carente desde que comprovem a baixa renda. Não tenham tanta certeza de que oacidente de helicóptero que acometeu o chefe da CVB de Teresópolis tenha sido um mero acidente. Não podemos ter garantia de nada. Portanto declaro encerrado as atividades da CVB de Teresópolis a partir de agora. Sabemos do espírito altruísta de todos os senhores mas como dizemos no meio militar - "Excesso de vibração mata". Peço que interrompam as suas atividades a partir de hoje pois dezenas de órgãos governamentais por trás de vocês estão ganhando verbas assistencias de milhões de reais para não realizarem o trabalho que vocês estão fazendo voluntariamente de graça.

O prefeito desta cidade deve receber prisão civil por ato infracional e será apenas uma questão de poucos meses para que as cidades das regiões serranas se tornem regiões doentes caso não seja coordenado um esforço conjunto sério para a remoção destes milhares de cadáveres se decompondo nos rios que suprem estas cidades".

Fonte: http://minhamestria.blogspot.com/2011/01/dimensao-real-da-catastrofe-de.html#main
Quem quiser entrar no site,, basta clicar e ler tudo...

Continuação...

Aqui vai mais outra. Ontem de noite, um amigo de meu Pai, que nós chamamos carinhosamente de Pereira, natural daqui de Teresópolis e que trabalha como ouvidor da prefeitura, recebeu inúmeros relatos de que muitos habitantes só sobreviveram devido a um estrondo muito forte e de um tremor de terra moderado, forte o suficiente para acordá-las e fazer com que elas saíssem correndo de casa debaixo de um temporal com as roupas do corpo. Em muitos locais escutou-se um estrondo muito forte. Isso imediatamente me lembrou dos relatos de minha avó, que era japonesa e morava em uma área de intensa atividade sísmica. Ela sempre me falava dos animais domésticos que se agitavam e de segundos depois escutar um estrondo forte que começava logo antes da terra começar a tremer. Quanto às imagens de destruição pelas águas tão mostrada pela mídia em Teresópolis no bairro de Campo Grande, o que as pessoas ainda não sabem é que toda a água fornecida naquela região era paga a uma concessionária particular, a Parâmetro Empresa Imobiliária.

O bairro de Campo Grande é como uma bacia cortada por um pequeno rio e com casas que o margeiam em seus flancos até o alto das montanhas. Subindo ainda mais existem duas represas, uma da CEDAE e outra denominada represa do Inconha. A represa do Inconha é que pertence a Parâmetro Imobiliária. Esta represa em determinados pontos chega a ter 40m de profundidade pois ela se aproveita da topografia dos grotôes que vão se estreitando à medida que se chega próximo aos cumes. Lembro a todos que as montanhas são muito íngremes nesta região e que as altitudes nesta parte da serra dos órgãos chega a ultrapassar 2000 metros de altitude em vários pontos, o que dá ao fluxo de água uma tremenda energia potencial. O que ninguém ainda relatou é que esta represa do Inconha com milhares de toneladas de água se rompeu e ficou totalmente destruída. Esta represa ficava num local de difícil acesso já sem casas ou quaisquer habitações, por isso poucas pessoas tem conhecimento dela. A represa da CEDAE entretanto não rompeu.

Outrossim, dois geólogos especialistas vieram de Brasília ontem para levantar através da análise dos padrões de deslizamento, topografia do local, faixa de área atingida, etc a possibilidade de uma possível atividade sísmica estar implicada como um fator adjuvante junto às fortes chuvas na gênese dos deslizamentos. Há sim, relatos locais de que a chuva foi muito intensa como jamais havia sido testemunhado por alguns moradores. Portanto, acredito que tenha havido umaconjunção de fatores. Eu sei que existe uma área denominada hidrosismologia que estuda a relação entre abalos sísmicos e a preciptação de chuvas intensas nos dias anteriores. Mas observem bem, até a catástrofe, Teresópolis vinha registrando nos dias e semanas anteriores um regime de chuvas absolutamente normal para época, talvez um pouco acima da média, mas nada que justificasse atividade hidrosísmica. Outros também podem argumentar que o estrondo seria causado pelas pedras rolando dos locais de deslizamento. Se isso fosse de fato o que aconteceu a velocidade dos acontecimentos seria tão alta que as pessoas teriam somente alguns segundos para escapar pois a chuva pesada e a mata densa amortecem muito o som, além do fato das pessoas estarem dormindo. Por mais que uma pedra de 20 toneladas rolasse de um penhasco, isso não justifica o tremor moderado que as pessoas sentiram em diversos pontos da região afastados mesmo dos locais de deslizamento.

Devo destacar também que muitas pessoas sentiram pequenos tremores nos dias que antecederam ao grande evento. Outra coisa que diversas pessoas me relataram foi a quantidade espantosa de relâmpagos que ocorreram mesmo antes da tempestade se intensificar. Curioso, decidi pesquisar alguma relação entre relâmpagos e atividades sísmicas e pelo que entendi, pequenos abalos sísmicos contínuos em uma região geram pulsos de energia eletromagnética que ionizam a atmosfera em suas camadas mais altas e que estavam pensando em utilizar este efeito de ionização para prever terremotos*.Lembram que no Chile e no Peru diversos relâmpagos apareceram antes, durante e após os abalos sísmicos? Podem verificar isso na Internet.

Uma coisa é certa, chuva não rompe represa com estruturas firmemente apoiadas em rocha cristalina. Fiquei muito, mas muito impressionado com a avaliação contundente, profundamente segura e objetiva deste grande especialista da Cruz Vermelha em catástrofes e sobre as reais dimensões que ele nos ofereceu do que realmente aconteceu. Seu filho era também resgatista da Cruz Vermelha, tinha 20 anos de idade e morreu no ano passado em uma missão de resgate no exterior. Foi ele mesmo quem achou o corpo do filho boiando no mar cinco dias depois, e foi ele mesmo quem teve que necropsiar o seu filho para ter certeza de que o corpo era mesmo dele. Ele chorou muito ao nos relatar o ocorrido e todos nós também choramos e ficamos muito comovidos. Ele falou que era um crime humanitário e sanitário não retirarmos os corpos das pessoas soterradas, pois para cada pessoa que morre e não é mais encontrada debaixo da lama, morre também uma família em cima dela. Bairros inteiros desapareceram, e segundo suas estimativas, somente em Teresópolis, no mínimo mais de 6.000 vítimas estão sepultadas debaixo de metros de lama e entulho e um grande desastre sanitário está apenas começando...

Martius de Oliveira
http://minhamestria.blogspot.com/

Alerta que vem da lama

Amigos, li ambos livros de Jared Diamond e sugiro para quem quiser ter uma visão mais ampla da formação das sociedades e de como estaremos em vinte anos. Acho, contudo, que ele exagera um pouco acerca do Brasil. De toda sorte os dois livros são excelentes.
Ah, ele é ornitólogo e não biogeógrafo. Ele mesmo faz este alerta nos livros.

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Alerta que vem da lama

Aliás, Estadao

Biogeógrafo americano Jared Diamond afirma que estamos sob risco de suicídio ecológico, mas há saída

Rubbish! É a resposta - em bom inglês - do biogeógrafo americano Jared Diamond para a pergunta sacada com frequência pelos "céticos do clima" no afã de congelar o debate ambiental: o aumento da temperatura do planeta, ao qual se atribui a intensificação dos ciclos de calor e frio testemunhada hoje por toda a parte, pode ser o resultado de um ciclo natural da Terra? Rubbish - lixo, besteira. "A ideia de que as mudanças climáticas que estamos presenciando hoje são naturais é tão ridícula quanto a que nega a evolução das espécies", fustiga o autor de Colapso (Record, 2005), um tratado multidisciplinar de 685 páginas na edição brasileira que analisa as razões pelas quais grandes civilizações do passado entraram em crise e virtualmente desapareceram. E a questão assustadora que emerge de seu olhar sobre as ruínas maias, as estátuas desoladoras da Ilha de Páscoa ou os templos abandonados de Angkor Wat, no Camboja, é: será que o mesmo pode acontecer conosco?

A resposta de Diamond, infelizmente, é sim. Ganhador do Prêmio Pulitzer por sua obra anterior, Armas, Germes e Aço (Record, 1997), em que focaliza as guerras, epidemias e conflitos que dizimaram sociedades nativas das Américas, Austrália e África, o cientista americano há anos nos adverte sobre os cinco pontos que determinaram a extinção de civilizações inteiras. O primeiro, é a destruição de recursos naturais. O segundo, mudanças bruscas no clima. O terceiro, a relação com civilizações vizinhas amigas. O quarto, contatos com civilizações vizinhas hostis. E, o quinto, fatores políticos, econômicos e culturais que impedem as sociedades de resolver seus problemas ambientais. Salta aos olhos em sua obra, portanto, a centralidade que tem a ecologia na sobrevivência dos povos.

Foi na semana subsequente à pior catástrofe natural da história do País, na região serrana do Rio de Janeiro - a mesma em que um arrepiante tornado surgiu nos céus de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense -, que Jared Diamond falou por telefone ao Aliás. Às vésperas do lançamento no Brasil de um de seus primeiros livros, O Terceiro Chimpanzé (1992), o professor de fisiologia e geografia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, fala das providências cruciais que o ser humano deverá tomar nos próximos anos para garantir sua existência futura. Diz que as elites políticas, seja nos EUA, na Europa, nos países pobres e nos emergentes, tendem a tomar decisões pautadas pelo retorno em curto prazo - até um ponto em que pode não haver mais retorno. Avalia que o Brasil dos combustíveis verdes tem sido "uma inspiração para o mundo", mas também um "mau exemplo" na preservação de suas florestas tropicais. E fala da corrida travada hoje, cabeça a cabeça, entre "o cavalo das boas políticas e aquele das más", que vai determinar o colapso ou a redenção das nossas próximas gerações.

O Brasil enfrentou tempestades de verão que mataram mais de 700 pessoas. Debarati Guha-Sapir, do Centro de Pesquisas sobre a Epidemiologia de Desastres da ONU, disse que o tamanho da tragédia é indesculpável, pois o País tem apenas um desastre natural para gerenciar. Como evitá-lo no futuro?


Precisamos estar preparados para um número cada vez maior de tragédias humanas relacionadas a mudanças climáticas. O clima se tornará mais variável. O úmido será mais úmido e o seco, mais seco. A Austrália, por exemplo, acaba de sair da maior seca de sua história recente e agora enfrenta o período mais úmido já registrado no país. Em Los Angeles, onde moro, recentemente tivemos o dia mais quente da história e, há algum tempo, o ano mais chuvoso e também o mais seco que a cidade já viu.

Em seus escritos, o sr. aponta a Austrália como um país com estilo de vida antagônico às suas condições naturais. Mas, em comparação com o Brasil, os australianos se saíram melhor: enfrentaram a pior enchente em 35 anos, mas contabilizaram apenas 30 mortos. Como explicar isso?

É verdade que o modo de vida dos australianos não está em harmonia com suas condições naturais. Mas o estilo de vida dos americanos e dos brasileiros tampouco. O modo de vida do mundo não está em harmonia com as condições naturais deste próprio mundo. No caso da Austrália, o país fica no continente que tem o meio ambiente mais frágil, o clima mais variável e o solo menos produtivo. Mas a Austrália é um país rico e dispõe de mais dinheiro que o Brasil para criar uma infraestrutura que gerencie tais problemas. Em Los Angeles, onde as enchentes são recorrentes, não resta um rio em seu leito natural: todos receberam canais de concreto para reduzir o risco de enchentes. A minha casa fica literalmente em cima de um córrego coberto por uma estrutura de concreto. Nos 34 anos em que vivi nessa casa, apenas duas vezes a água invadiu o porão.

Em Colapso, o sr. lista cinco razões que explicam o declínio das sociedades. Elas continuam as mesmas?

Sim. Os cinco fatores que levo em consideração ao tentar entender por que uma sociedade é mais ou menos propícia a entrar em colapso são, em primeiro lugar, o impacto do homem sobre o meio ambiente. Ou seja, pessoas precisam de recursos naturais para sobreviver, como peixe, madeira, água, e podem, mesmo que não intencionalmente, manejá-los erradamente. O resultado pode ser um suicídio ecológico. O segundo fator que levo em conta é a mudança no clima local. Atualmente, essa mudança é global, e resultado principalmente da queima de combustíveis fósseis. O terceiro fator são os inimigos que podem enfraquecer ou conquistar um país. O quarto são as aliados. A maioria dos países hoje depende de parceiros comerciais para a importação de recursos essenciais. Quando nossos aliados enfrentam problemas e não são mais capazes de fornecer recursos, isso nos enfraquece. Em 1973, a crise do petróleo afetou a economia americana, que dependia da importação do Oriente Médio de metade dos combustíveis que consumia. O último fator recai sobre a capacidade das instituições políticas e econômicas de perceber quando o país está passando por problemas, entender suas causas e criar meios para resolvê-los.

O colapso da sociedade como hoje a conhecemos é evitável ou apenas prorrogável?

É completamente evitável. Se ocorrer, será porque nós, humanos, o causamos. Não há segredo sobre quais são os problemas: a queima exagerada de combustíveis fósseis, a superexploração dos pesqueiros no mundo, a destruição das florestas, a exploração demasiada das reservas de água e o despejo de produtos tóxicos. Sabemos como proceder para resolver essas coisas. O que falta é vontade política.

O Brasil tem feito sua parte?

Nunca estive no Brasil, portanto não posso falar a partir de uma experiência de primeira mão. Mas pelo que entendo, vocês adotaram uma solução imaginativa para a questão energética, com a produção de etanol. O Brasil é uma inspiração para o resto do mundo em relação aos carros flex. Por outro lado, mesmo que o País esteja consciente dos riscos de se desmatar a maior floresta tropical do mundo, muito ainda precisa ser feito. A Amazônia é muito importante para os brasileiros, pois ela regula o clima do país. Se a destruírem, o Brasil inteiro sofrerá com as secas.

De que maneira as elites tomadoras de decisão podem encabeçar a solução dos problemas ou ser responsáveis por conduzir sociedades à autodestruição?

Uma elite que foi competente em solucionar problemas é a composta por políticos dos Países Baixos, que têm grandes dificuldades com o manejo de água, já que um terço da área desses países está abaixo do nível do mar. A Holanda investiu uma quantidade enorme de dinheiro no controle de enchentes. Uma coisa que motivou os políticos holandeses é que muitos deles vivem em casas que estão sob o nível do mar. Eles sabem que se não resolverem a coisa vão se afogar com os demais. Outra elite razoavelmente bem-sucedida é a realeza do Butão, nos Himalaias. O rei butanês disse ao seu povo que o país precisa se tornar uma democracia quer queira, quer não. Ele também anunciou que a meta do país não é aumentar o PIB, mas elevar o índice que mede a felicidade nacional. Isso é verdadeiramente uma meta maravilhosa. Nos EUA, temos políticos poderosos com uma visão curta e destrutiva. Acho que contamos com um bom presidente, mas temos uma oposição cujos objetivos no presente momento se resumem a ganhar a próxima eleição presidencial e, repetidamente, tem negado a existência da mudança climática e do aquecimento global.

De que forma o declínio de sociedades antigas pode nos servir de lição?

Algumas sociedades do passado cometeram erros decisivos, outras agiram com sabedoria e tiveram longos períodos de estabilidade. Um vizinho de vocês, o Paraguai, é um exemplo de país que cometeu um erro crucial, há 120 anos: lutar simultaneamente contra Brasil, Argentina e Uruguai. Isso resultou na morte de 80% dos homens e um terço da população. Tomando como exemplo o Paraguai, precisamos aprender a adotar metas realistas. Podemos aprender também com os países que manejam bem seus recursos, como a Suécia e a Noruega, ou tomar como mau exemplo a Somália - que desmatou suas florestas e hoje sofre com a seca. Em defesa da Somália, podemos argumentar que o país não conta com um grande número de ecologistas capacitados, ao contrário de Brasil e EUA.

O sr. estudou a ascensão e queda de sociedades no passado, mas o que se discute agora é o futuro da própria humanidade. Sua teoria é capaz de explicar os desafios do mundo globalizado?

Sim. É verdade que esta é a primeira vez na história que enfrentamos o risco de o mundo inteiro entrar em colapso. No passado, o colapso do Paraguai, por exemplo, não teve nenhum efeito na economia da Índia ou da Indonésia. Hoje, até mesmo quando um país remoto, como a Somália ou o Afeganistão, entra em colapso isso repercute ao redor do mundo. Mas, por analogia, é possível tirar conclusões semelhantes.

O geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001) enfatizou aspectos socioculturais para explicar os dilemas da sociedade, enquanto seu trabalho é considerado por alguns como geodeterminista. Aspectos culturais não teriam mais influência sobre o futuro das sociedades que os naturais?

Com frequência as pessoas me perguntam se isso ou aquilo é mais importante para explicar o declínio das sociedades. Questões como essas são ruins. É o mesmo, por exemplo, que perguntar sobre as causas que levaram ao fracasso de um casamento. O que é mais importante para manter um casamento feliz? Concordar sobre sexo ou dinheiro, ou crianças, ou religião, ou sogros? Para se ter um casamento feliz é preciso estar de acordo a respeito de sexo e crianças e dinheiro e religião e sogros. O mesmo se dá no entendimento do colapso de sociedades. Fatores culturais são importantes, mas diferenças ambientais não podem ser ignoradas. Por exemplo, as regiões Sul e o Sudeste do Brasil são mais ricas que a Norte. Isso é por causa do meio ambiente, não porque as pessoas no norte sejam burras e as do sul mais inteligentes ou cultas. A explicação é que o norte do país é mais tropical e áreas tropicais tendem a ser mais pobres porque têm menos solos férteis e mais doenças. O mesmo é verdade nos EUA, onde até 50 anos atrás o sul foi sempre mais pobre que o norte. Ao redor do mundo, esse padrão é repetido: países tropicais tendem a ser mais pobres que os de zonas temperadas.

Que sociedades estão em colapso hoje?

Todas as sociedades do mundo estão em risco de colapso. Se a economia mundial colapsar isso afetará todos os países. Nós vimos o que houve dois anos atrás, quando o mercado financeiro americano quebrou, afetando todas as bolsas do mundo. Então, embora todos os países estejam em risco de colapso, alguns estão mais próximos dele do que outros - por uma maior fragilidade ambiental, porque são menos maduros política ou ecologicamente ou por qualquer outro motivo. Por exemplo, o Haiti, que retornou agora às manchetes com a volta do ditador Baby Doc, viu seu governo virtualmente colapsar e continua em grande dificuldade. O México enfrenta dificuldades gravíssimas relacionadas a problemas ecológicos, com a aridez de suas terras, e políticos, com a onda de assassinatos ligada ao tráfico de drogas. Paquistão é um exemplo óbvio, Argélia, Tunísia, que também estão no noticiário... Do outro lado, dos países com menos risco de colapso estão a Nova Zelândia, o Butão e, na América Latina, a Costa Rica. Chile também vai bem. E o Brasil tem melhores perspectivas que vizinhos como a Bolívia, claro.

Países podem se recuperar do colapso?

O colapso normalmente não é definitivo. Houve colapsos no passado que foram sucedidos por retomadas. O Império Romano caiu e, apesar disso, a Itália é hoje um país de Primeiro Mundo.

A Europa, onde o debate a as leis de proteção ambiental mais avançaram, também entrou em crise. Quando isso ocorre, há risco de retrocesso nas políticas ambientais?

É possível. Muita gente sustenta que, quando a economia está fraca, não se consegue investir como se deve no meio ambiente. O colapso econômico de fato põe em risco os avanços em sustentabilidade. Só que os problemas ambientais só são fáceis de resolver nos estágios iniciais. Nesse ponto custam menos, mas se aguardamos 20 ou 30 anos, eles se tornarão muito caros ou impossíveis de solucionar.

Nos EUA, quando o presidente Obama condicionou empréstimos às montadoras americanas ao investimento em carros mais baratos e menos poluentes, a crise não ajudou?

Tanto as crises econômicas podem ter bons efeitos para a política ambiental como fazê-la retroceder. Nos EUA, antes do crash financeiro, estava muito em moda o Hummer, um jipe de 3 toneladas, versão civil de um veículo militar utilizado no Iraque. Era caríssimo e gastava horrores em combustível. Aparentemente, suas vendas despencaram e isso é um efeito positivo da crise econômica. Ainda assim, há americanos ignorantes que ainda insistem em dizer que, uma vez que estamos em crise, podemos deixar a agenda ecológica de lado.

Há modelos econômicos melhores e piores no que diz respeito aos danos ecológicos?

No momento em que falamos, tenho que dizer que o modelo econômico americano não parece ser o mais adequado. Por outro lado, somos uma democracia, com maus políticos, mas também bons - que denunciam os problemas que põem em risco o futuro. Numa ditadura comunista, por exemplo, isso seria impossível. Gosto do sistema capitalista porque ele pressupõe competição, inclusive de ideias. Mas aprecio também o papel do Estado em interferir no capitalismo, evitando os monopólios e enfrentando grupos cujos interesses vão de encontro aos da maioria da população. Em comparação, eu diria que o modelo europeu de capitalismo, mais socializado e comprometido com o bem comum, é atualmente a alternativa menos ruim.

Alguns cientistas afirmam que não se pode dizer ao certo que o aquecimento global seja culpa da ação do homem; pode ser parte de um ciclo natural da Terra.

Sabe a palavra inglesa rubbish? Significa lixo, mas é usada em linguagem coloquial em referência a ideias ridículas. O argumento de que as mudanças climáticas que estamos presenciando hoje sejam apenas naturais é simplesmente ridículo. Tanto como aquele que nega a evolução das espécies. As evidências de que tais mudanças se devem a causas humanas são irrefutáveis. Os anos mais quentes registrados em centenas de anos se concentram nos últimos cinco que passaram. O planeta já enfrentou flutuações de temperatura no passado, mas nunca nos padrões registrados hoje. Não conheço um único cientista respeitável que afirme que as atuais mudanças de clima não se devam à ação humana. É por isso que eu digo: rubbish.

Seis anos depois do lançamento de Colapso, o sr. está mais otimista ou pessimista em relação ao futuro de nossa civilização?

Diria que me mantenho mais ou menos no mesmo nível. Tenho visto coisas ruins piorarem e boas tornarem-se melhores. O que mais me preocupa é que continuamos vendo um aumento vertiginoso do consumo no mundo, seja nos EUA, na China, na Índia ou no Brasil. O que me anima é que cada vez mais pessoas reconhecem a gravidade da situação e estão tomando iniciativas. Uma metáfora que gosto de usar é a da corrida de cavalos. Há dois deles correndo agora, o cavalo da destruição e o cavalo das boas políticas. Nestes últimos seis anos, eu diria que os dois têm corrido cada vez mais rápido, disputando cabeça a cabeça. Não sei qual vencerá a corrida, mas diria que as chances do cavalo do bem vencer são de 51%, enquanto o das más políticas tem 49%. E, se nossa destruição não é certa, nem um destino inescapável, é preciso saber que se não tomarmos medidas urgentes vamos ter grandes problemas.

A indústria do entretenimento mostra, cada vez mais, imagens do fim do mundo, prédios em ruínas, cidades abandonadas. Por que somos tão fascinados por nossa destruição?

Parte disso se deve à força romântica das imagens de civilizações passadas que entraram em colapso, como as ruínas dos maias, incas e astecas. Ou os escombros das guerras no Iraque e no Irã. E pensamos: quem construiu aqueles templos e monumentos, tinha uma cultura e arte admiráveis, podia imaginar que isso aconteceria? Por que essas civilizações entraram em colapso, sem poder evitar? E nos angustiamos: será que isso também vai acontecer conosco?
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